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segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Sobrepeso-de-consciência
Sobrecarga-de-responsabilidade
Baixo-teor-de-motivação
Overdose-de-pensamento

quarta-feira, 14 de agosto de 2013

 
 
 
 
"Eu quase não consigo lembrar
Quanto tempo passei
Sem sair do lugar
Esperando eu não sei o quê
Que eu posso esperar?
Duvidando de mim
Pra poder me encontrar..."
 
 
 
A Espera - Ludov

sábado, 18 de maio de 2013

Sem argumentos que comprovem. Não somos nada sem um simples "saber se expressar". Não há coisa pior do que se tornar o tipo de pessoa há quem mais se tinha repulsa. Não há coisa melhor do que se tornar o tipo de pessoa há quem mais se tinha admiração. O vício é a doença do século. O excesso decepa as vísceras de qualquer ser humano. Aos poucos ou não. O comodismo nos torna vegetais inertes que a cada passo não dado retrogradam a evolução da humanidade. O pequeno fato de não conseguir sair do lugar acaba com a vida de quem quer que seja. Um rímel não passado pode significar muita coisa. Do mesmo modo que um "eu te amo" pode significar nada.
O estrago é sempre grande quando o destruidor e o destruído estão em uma mesma pessoa.
O estrago é sempre grande quando não se vê estrada à se seguir.
Chegar ao ponto de sentar encolhido num canto qualquer dentro de si próprio e esperar o fim raiar para o aplaudi-lo com as mãos deterioradas de tanto tentar estancar as lágrimas pesadas que insistem em cair.
Somos donos do há dentro de nós. E a culpa não existe.
O que somos se não nos reconhecemos mais?
Há muito a se fazer.
As rosas não florescem sozinhas.
O azul é mais bonito, mas o vermelho é mais intenso. O que não significa que ambos não possam coexistir.
Quebrar o asfalto e desbrotar a lama que estraçalha, aproveitar a água da chuva para lavar o carro e limpar a alma.
A vida é muito mais que isso.
Recomponha-se.

domingo, 24 de março de 2013









Sentimento corrosivo, que se auto corrompe. Interrupto, inconstante, instável, perturbado, perturbante. Enlouquecedor, enlouquece-dor. Não afável. Atenuado, intensivo, enigmático. Peculiar. Acolhe, descolhe. Incoerente. Incongruente. Desesperançoso. Utópico. Próximo, distante. Encantador. Assustador. Abstruso. Cobiçado. Inigmível. Amor...

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Capítulo 8: julho, 2006

Branca como nuvens de um dia limpo, cabelos ruivos, sardas, olhos grandes belamente esbugalhados de cor peculiar -uma espécie de verde escuro cinzento mesclado com um tom de azul veludo-, olhos esses que quase se fechavam ao florescer de um sorriso no rosto da, não tão pequena nesta época, infectada. Aqueles olhos... hipnotizavam qualquer um. Era aniversário de seu pai, e Ana lhe compara uma lembrancinha que fora entregar em seu trabalho. Ele fazia 39 anos -dia 17 daquele mês. E estava prestes à ganhar um filtro dos sonhos (Sebastião ensinou Ana desde criança à seguir a tradição indígena de ter um filtro dos sonhos na janela do quarto) feito pelas mãos da filha. A caminho do trabalho do pai, a menina passa por ruas que já havia passado diversas vezes, mas daquela vez ia percebendo detalhes nos quais nunca havia notado. Como, por exemplo, o pequeno detalhe de que naquela casa bonita que ficava há duas ruas do hotel em que seu pai trabalhava e que aquela senhorinha que a cumprimentava toda vez que a via estava sempre sentada na calçada fumando, morava um garoto. Ele aparentava ter a sua idade. Cabelos bem negros, olhos mais ainda. Uma tremenda cara de sono que fez a menina se questionar: "ele acabou de acordar ou sua cara de sono está sempre aí?" -mais uma coisa que Ana gostava era pessoas com cara de sono. A senhorinha que estava sentada na calçada da casa, como de costume, cuprimentou Ana, mas, percebendo o embrulho em suas mãos, decidiu pela primeira vez prolongar o efêmero diálogo.
   -Dê meu feliz aniversário a seu pai, menina.
Ana se questionou como é que ela sabia que o presente era para seu pai e que era um presente de aniversário.
   -...sim, eu dou sim. - Respondeu a menina, acanhada e ainda caminhando.
Quando chegou com o pai, como não poderia demorar muito por conta do curto horário de intervalo do trabalho, foi breve. Lhe deu um abraço, um beijo na testa, "feliz aniversário" e "está aqui seu presente". Depois da cerimônia, decidiu perguntar sobre a senhorinha daquela casa.
   -Ah, é a Mari! Ela lhe viu nascer, meu bem. Trabalhou lá em casa até sua mãe engravidar de você, que foi quando ela também engravidou. Ela ficou com a gente até poucos meses antes de você nascer. A gravidez dela era de risco e ela teve de ficar alguns meses internada. Quando ela saiu do hospital com o menino, foi passar uma temporada lá em casa, já que não tinha família aqui e precisava de ajuda com os cuidados do bebê. Você e Bernardo conviveram como irmãos até os um ano e alguns meses. Que foi quando... o pai dela faleceu e ela teve... que voltar para a cidade natal para ficar com a irmã mais nova. Você era apenas uma criança, mas sofreu bastante ao se separar de Bernardo. Eram muito ligados.
   -E quando foi que ela voltou? Porque não voltou para nossas vidas?
   -...quando ela voltou, ficou sabendo da sua mãe... ela não quis se aproximar da gente novamente, não por aversão. Mas porque elas cresceram juntas, mesmo Mariana sendo uns tantos anos mais velha que sua mãe, elas sempre foram muito amigas. Foi uma forma de economizar sofrimento, você me entende?
   -Acho que sim... E então é por isso que ela sabe que hoje é seu aniversário e me mandou lhe dar os parabéns?
   -Sim, é por isso. Dá próxima vez que a vir, mande meus agradecimentos.
   -Mas, papai, ela ficaria chateada se eu tentasse me aproximar deles?
   -Acho que... Bom, filha, você já tem idade para entender as coisas, acho que não faria mal algum sentares com ela para ter uma boa conversa.
No caminho de volta, Ana fez questão de passar por aquela mesma rua. E a senhorinha, que até alguns minutos atrás era apenas uma desconhecida na cabeça da menina, ainda estava lá, sentada na cadeira de embalo, olhando para as nuvens, fumando seu cigarro. Ana decide se aproximar.
   -Dona... dona Mariana?
Mariana percebe que o pai havia lhe falado dela, pois sabia que até aquele momento anterior Ana não a reconhecia.
   -Olá, meu bem. -respondeu Mariana, bem receptiva.
   -É... perdoe-me a intromissão, mas... eu posso sentar com a senhora um pouco?
   -Mas é claro, querida. Apesar de tudo, estarei sempre à disposição dos Bonassi.
   -Bem, queria conhecê-la melhor. Já que ajudou a cuidar de mim e que minha mãe ajudou a cuidar de seu filho. Minha mãe... é... ah, desculpe! Eu não...
   -Não se preocupe, não é proibido falar dela. Hoje, já me sinto um tanto menos desconfortável.
   -É, o que eu sinto quando lembro do que aconteceu nunca muda, mas eu tento me lembrar apenas do que foi bom, antes de tudo isso.
   -Certa você.
   -Bem... meu pai me falou um pouco sobre você e o...
   -Bernardo. Ele sempre quis conhecer você. Aliás, reencontrar você. De tanto que lhe falei sobre sua família e sobre o quanto vocês eram ligados.
   -Ele está?
Ana sabia que ele estava.
   -Ele está. Dormindo, para ser sincera. Desde que voltamos para cá ele não fez muita questão de fazer amigos, na verdade ele nunca fez. Hoje faz aula de tudo quanto é coisa. Violão, bateria, guitarra... mesmo assim, não se apega à ninguém. E quando está em casa só sabe dormir. Ele é muito sozinho, sabe?
Sabendo daquilo, Ana notou o porque deles serem tão ligados quando pequenos. Ele era sozinho como ela. -quem sabe não era mais um infectado com o vírus do caos?
   -Sei... sei bem como é isso. Também nunca fui muito de ter amigos.
   -Ele descarrega toda a solidão e tristeza na música. Você gosta de música?
   -Sim, gosto muito. Sempre quis aprender a tocar alguma coisa, mas meu pai nunca me escutou muito quanto a isso.
   -Posso pedir para Bernardo lhe ensinar! Talvez facilite a aproximação de vocês. O que você acha?
   -Se não houver problemas para ele eu aceito.
Bernardo ganhara ali uma aluna, sem nem mesmo saber. Naquele momento em que elas conversavam, ele sonhava com um show de rock, onde era o baterista da banda que estava a tocar. Ele tocava violão, guitarra, baixo, teclado, gaita, mas sua paixão mesmo era a bateria. Ela era a que mais conseguia levar suas angústias para bem longe, tão rápido.
Passaram um bom tempo conversando, foi quando Mariana disse que iria no mercado central, que era um tanto distante dali, e pediu para Ana reparar a casa enquanto seu filho dormia. E assim foi feito. Ana entrou e ficou na sala assistindo tv. Quando escuta uns passos na escada seguidos de:
   -Mãe, você fez o café?
Ana olha para trás e "puxa vida, que carinha mais fofa". Bernardo arregala os olhos inchados de sono e dá um passo para trás.
   -Mas... Quem é você?
   -Sou Ana... a filha do... é... meu... meu pai é amigo da sua... ãhn, sou Ana.
Cria-se um clima meio tenso entre os dois. Bernardo, metade ainda dormindo, demora um pouco para raciocinar, mas consegue entender que Ana era a "tal Ana" de quem tanto ouviu falar na vida.
   -Ana!... Hum, Ana... Então você é Ana...
   -Bom, sim. Eu acho...
   -Como... ãhn, onde está... minha mãe?
   -Ela foi no mercado, disse que não demoraria.
   -Droga! Ela sempre demora. Faz questão de ir andando, mas o mercado é muito longe daqui.
   -Mas porque "droga!"?
   -Porque... porque... é...
   -Porque você vai ter que esperar ela voltar para que ela faça o café?
   -Hum... mais ou menos isso.
   -E porque você mesmo não faz?
   -Meu café é horrível. Forte e amargo. Que a nem a minha vida...
Ana pensou rápido e decidiu se oferecer para ensiná-lo a fazer café, já que ele daria aulas à ela.
   -Bom... meu café é doce, e... as pessoas costumam dizer que é gostoso. Posso te ensinar.
   -Sua vida é doce?
Ana percebera ali a gravidade da situação. Ele se deixava transpirar angústia de vida. E seus olhos de sono e testa franzida gritavam por ajuda, enquanto sua boca usava de metáforas para enigmizar o caminho.
   -Bom... não muito. Mas eu uso do café para adoçá-la um pouco.
E Bernardo pensou em como seria bom se aproximar dela. Pensou em como seria um ruim. Pensou que ela poderia ser uma ajuda. Aqueles olhos... "Uns trinta minutos olhando para eles já me ajudariam", ele estava encantado com a beleza da jovem. Mas havia sono demais dentro dele para que ele demonstrasse.
   -É... Acho que podes me ensinar, então.
Desajeitada e timidamente os dois foram até a cozinha e puseram a "mão na massa". Dialogaram, com o passar dos minutos, descontraidamente.
   -E você... você namora? Digo... tem namorado? -acanhado, questionou Bernardo admirando aqueles cativantes olhos um pouco mais de perto.
   -Não... -mais acanhada ainda respondeu Ana.- E você...
   -Também não... mas... você é tão bonita, porque não tem um namorado?
   -Ah, primeiro que não sou tão bonita, segundo que nem amigos eu tenho, imagine um namorado... Você também é bonito e não tem namorada. Acho que beleza não deve significar tanto, então...
E o diálogo se estendeu até o café ficar pronto, e os dois o provaram juntos.
   -Se sua vida for tão boa quanto seu café, creio que sejas muito feliz...
   -Quisera eu que fosse! Mas... obrigada.
Se sentam no sofá da sala e continuam a conversar, ainda que timidamente.
   -Você gosta de música?
   -Sim, sim.
   -Toca algum instrumento?
   -Hum, não. Sua mãe até me disse que... poderias me ensinar. Fiquei com receio de que não gostasses da ideia...
   -Ensinar...?
   -Mas, só se você quiser! Se não quiser, tudo bem, eu...
   -Não, eu quero, mas é... não sei se sou bom em ensinar... mas tudo bem. Você quer aprender o que? Violão?
   -Qualquer coisa. Bateria seria uma boa...
   -(As garotas normalmente querem aprender a tocar violão, mas ela quer aprender bateria. Será que já posso pedir para casar com ela?) -pensou ele. Ah... ok, bateria então!
Mariana chega do mercado e nota a aproximação dos dois. Pensa em ficar observando, mas prefere entrar logo.
   -Vejo que estão se dando bem. Fico feliz por isso!
   -Ah... oi mãe. Ana me ensinou a fazer café! -responde o garoto entusiasmado.
   -Mas... o que? Vocês se deram tão bem assim? Esse menino nunca quis aprender a fazer café direito comigo, Ana! Obrigada, viu?
As horas se passaram, já era noite. Ana percebeu que já era hora de voltar para casa. E feliz com a sua tarde de novidades, se despede.
Ao chegar em casa, espera o pai chegar do trabalho para contar o que havia vivido naquele dia. Sebastião ficou feliz com a aproximação de Ana com Mariana e Bernardo. Mas, sabendo do que poderia acontecer, tentou avisar à filha que as coisas deveriam continuar como estavam antes, e que talvez as aulas de bateria não fossem uma boa ideia. Ana sem entender muito bem, questionou o pai sem obter respostas. O que a deixou receosa, mas não a impediu de investir nas aulas.
Naquele dia Ana sonhou com um assalto de grande repercussão em sua cidade.

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Capítulo 7: dezembro, 2007

Por toda sua vida estudantil, Ana nunca fez amigos de verdade. Sempre falou com um aqui ou ali, mas nunca passava disso. Era o dia da sua formatura. O pai não poderia comparecer por conta do trabalho. Ela não tinha um par, nem um amigo, nem uma amiga, nem uma mãe... Mas ela foi. Depois de se arrumar sozinha em casa. Seu vestido era simples, maquiagem pouca, cabelo discreto, meia calça branca, sapatilha. Como tinha costume de tirar foto dos pés (ou mãos), tirou uma para guardar de recordação daquele dia, na mesma hora em que tempestade passava acarinhando-se em sua perna esquerda. Depois disso ela foi. E então se vê na frente da porta de entrada da quadra da escola,  pensa: "mas o que é que eu estou fazendo aqui?" e entra.
Todo mundo tão feliz. E ela ali, lembrando do beija-flor que entrara na cozinha de sua casa na hora do almoço.
Passou a noite toda sentada no banco do lado da mesa de comida. Beliscava algo uma hora ou outra. Até que um dos garotos mais populares da turma lhe aparece e convida-a para dançar.
   -Não, Albert. Obrigada.
   -Ana, deixe de ser assim. Te perturbei a vida inteira, tentei ficar contigo algumas vezes só para ter mais uma na minha lista, só para dizer "já peguei até a garota mais estranha da turma" e eu sei que você sabe muito bem disso. É uma das poucas garotas inteligentes da nossa classe. Mas, cara, já passou agora, terminamos o colégio e depois de hoje provavelmente não nos veremos mais. Não estou te pedindo um beijo ou te convidando para ir à minha cama, só quero dançar com você. É a despedida da turma... E aí?
   -Obrigada por me chamar de inteligente. Mas, não. Você é um cara legal, apesar de ser um idiota. Tem 21 garotas na nossa turma, vá atrás de outra para dançar com você, não vai ser difícil de encontrar. Eu garanto.
   -Hunf. Tudo bem, tudo bem. Olha, vou sentir sua falta.
   -Falta de ter alguém para chamar de dálmata sardento, cabelo de água de salsicha, lunática...
   -Exatamente. - respondeu ele rindo.
E ela também rindo, disse: logo vais encontrar outra pessoa para encher o saco.
   -Não como você que apenas revirava os olhos e virava as costas.
   -Ok, Albert. Vá procurar alguém para dançar.
E ele foi, se juntou com os outros colegas de turma que celebravam no meio da quadra dançando e cantando juntos a música que tocava. Ana sentou-se novamente ao banco, depois de encher um copo com salada de frutas e começou a observar seus colegas. Conversando consigo mesma mentalmente, traçando o perfil de cada um.
   -Camila. Diz que seus cabelos são lisos e loiros naturais sendo que todos se lembram dela criança com os cabelos castanhos e encaracolados. Fútil. Não quer saber de mais nada além da próxima cor do esmalte que vai pintar as unhas.
"Dourado queen ou vermelho biscate?" seu eterno dilema. Vai casar com um velho rico e ser feliz para sempre.
   Nadine. Se soltasse os cabelos e tirasse esses óculos, seria uma das garotas mais cortejadas do colégio. É inteligente, mas só pensa em ficar rica à qualquer custo. Talvez ela fique...
   Ize. A depressiva. Sempre foi aquela que levava o grupo nas costas quando tinha trabalho em equipe. Tirava as notas mais altas de toda a turma, mas quase nunca se via um sorriso naquele rosto. Hoje ela está sorrindo. Significa alguma coisa?...
   Fabrício, hum... fofo, porém ignorante. Nunca quis saber de estudar. Só sabe ouvir música, fumar seu baseado e fazer tudo o que o Albert manda. Provavelmente trabalhará na empresa de seu pai e vai acabar como um velho milhonário e sozinho.
   Albert. O otário da turma. O garanhão. Pega até as professoras. Não estuda nada e só tira notas boas. Será por causa dos esquemas com as professoras ou será que ele esconde uma cabeça inteligente por trás dessa reputação estúpida? Sim, ele esconde. Me lembro bem da vez que o flagrei escondido no banheiro dos funcionários lendo um livro sobre a vida de Nelson Mandela. "Albert? Mas o que você está fazendo? Vai usar uma folha deste livro para bolar seu baseado ou o que?" "An... Ana! Eu estou... estou... Ah, droga! Eu estou lendo, ok? Eu gosto de ler, e essas coisas sobre politica me interessam. Mas não conte para ninguém, por favor. O que eles vão pensar do cara popular que diz que ler é só para idiotas?" Mas que diabos de ser humano prefere ter imagem de idiota do que de um cara intelectual? Por deus! Quem sabe ele tenha um futuro promissor...
   Fernanda. Ok, me sinto promiscua só de pensar nessa garota. Seu megahair de cabelo de loiro-xuxa até a bunda jogado pro lado esfrega sua personalidade na cara de qualquer desconhecido. Se é que existe uma personalidade ali dentro. Faz e compra tudo que está na moda, e com o passar do tempo as pernas engrossam e as roupas diminuem. Pensa que Nova York é um país da Europa e que Che Guevara era uma marca de camisetas. Versão feminina do Albert, só que com um cérebro de ovo de codorna. Quem sabe um dia ela acorde para a vida.
   Augusto... Eu casaria com ele. Bonito por fora e por dentro. Cheiroso. Inteligente. Tímido. Cavalheiro. Pena que ele goste de meninos. -pena para mim que sempre tive uma quedinha por ele- Será um dos poucos daqui que terá um bom futuro.
   Luisa. Eu também casaria com ela, se eu fosse um garoto, claro. Acho que é a melhor garota que já conheci. Que menina de 17 anos, nos dias de hoje, raspa a cabeça para protestar sobre o tratamento precário de crianças com câncer?
   Roberta. Esse cabelo de macarrão instantâneo me dá náuseas. Assim como a sua vozinha de rato. Sempre se achou melhor que todo mundo. E certo, não gosto de guardar mágoas e tudo mais, mas nunca vou esquecer de quando ela deixou seu iogurte cair "acidentalmente" sobre minha cabeça na hora do intervalo só para que todos rissem de mim.
   Conrado... é encantador. Mas mais estranho do que todos os outros estranhos da sala. Sempre foi amigo de todo mundo, mas nunca ninguém soube da sua vida pessoal. Talvez ele vire um serial killer mais tarde -se já não for um.
   Hum... olha como estão felizes. Nem parecem que se odiaram nas manhãs de todos esses anos.
Como ótima observadora que sempre foi, Ana nota que Ize sobe sozinha as escadas da arquibancada. Com as mãos na cabeça, olhando para baixo. "Será que ela vai gritar algum aviso lá de cima?" Elas nunca foram amigas, nem mesmo próximas. Mas de certa forma, Ana se identificava com ela.
   -IZE! -gritou Ana de longe desesperada ao ver a colega de classe se jogar do quadragésimo nono degrau da arquibancada em direção ao jardim de pedras ali do lado.
Cria-se um tumúlto imediato. A música pára. O amontoado de vozes atordoadas é rápido. A festa acabou com aquele acontecimento. A vida colegial daqueles estudantes acabara ali com aquele desfecho trágico que nunca lhes sairá da memória. A menina que nunca conseguiu a atenção nem se quer de uma mosca, dera um jeito de consegui-la de todos, ao mesmo tempo e da pior maneira possível.
Naquela noite, Ana sonhou com uma chuva de meteóros.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Capítulo 6: Outubro, 1998

Era época de halloween. Haveria uma festa no colégio de Ana, na qual os alunos deveriam ir todos fantasiados. Sebastião chega com a filha e pergunta qual a fantasia que ela vai querer usar.
   -Bruxa, vampira, palhaça... Qual vais querer, meu bem?
   -Eu quero ir de David Bowie, papai!
Ana era simplesmente apaixonada pelo cantor dos anos 70 David Bowie. Fazia o pai comprar todos os vinis e cd's e tinha um quarto com posters do cantor espalhados, enquanto as outras garotas de oito anos da época só tinham adesivos da barbie colados da parede e posters da Xuxa e do É o Tchan.
O pai tenta explicar à menina que não era muito comum se fantasiar de cantor numa festa de halloween da escola. Mas ela, inconformada, questiona:
   -E porque é que eu tenho que fazer só as coisas comuns? É chato. Você e a mamãe sempre me dizendo "não faça isso, não é comum" "não faça aquilo, ninguém costuma fazer" É errado não fazer o comum, pai?
Sebastião sempre ficava de saia justa com os argumentos da filha, e não se contrapôs.
   -Não, meu bem, não é errado fazer o incomum. A questão é que você pode ser incompreendida pelas pessoas quando faz. Mas... tudo bem. Vejamos uma fantasia de David Bowie, então.
   -Eba!
Dona Antonieta, a dona da padaria da esquina da rua e amiga da família, ficou responsável por cuidar da maquiagem de Ana. É chegada a hora da festa e a menina chega na escola e é recebida com os piores olhares pelos alunos. Camila e Fernanda, fantasiadas respectivamente de gatinha e bruxinha, se aproximaram e começaram a diminuir a pequena "Bowie" infectada.
   -Mas que espécie de fantasia é essa, estranha? -Fernanda a questionou com repulsa.
"Estranha", era como os mais colegas de turma costumavam chamar Ana.
   -Estou fantasiada de David Bowie. -Respondeu a pequena sem medo de represálias.
   -E que diabos é isso? -questionou Camila.
   -David Bowie é um cantor inglês dos anos 70 conhecido como o Camaleão do rock...
   -Que chatisse! -Fernanda a interrompe- Você não poderia se fingir de normal pelo menos uma vez na vida e vir com uma fantasia normal que nem as pessoas normais costumam fazer?
   -Sim, eu poderia. Mas eu prefiro não fingir ser quem não sou. Não se preocupe Fernanda, quando eu receber o prêmio de melhor fantasia eu lhe dou alguns chocolates da cesta que vou ganhar.
   -Mas você não vai ganhar! EU vou ganhar! Ponha-se no seu lugar.
E as meninas se afastam resmugando e cochichando, "mas como pode alguém ser tão anormal assim?".
Ana cumprimenta os professores e recebe elogios pela fantasia diferente. E espera ansiosa pela premiação das melhores fantasias. Sentada observando a festa, lembra do que seu pai lhe dissera ao deixá-la na festa: "Não se deixe intimidar pelas rejeições."
E as premiações finalmente começam. Passa quinto lugar, passa quarto lugar, terceiro, segundo... E até então seu nome não havia sido chamado. Na hora do primeiro lugar, o que ninguém, além dela, esperava. "E a vencedora é... Ana Bonassi!" E os queixos caem.
Depois da cerimônia toda, Ana humildemente vai até Fernanda e Camila e lhes oferece alguns chocolates que vieram na cesta de prêmio. Mas elas recusaram, como já era de se esperar.
Junto dos chocolates na cesta veio um "fazedor de bolhas". Ana não ganhava um fazedor de bolhas desde quando seu irmãozinho partiu antes de nascer. Ela foi para à varanda do salão de festas do colégio sem que ninguém notasse e ficou observando as estrelas se miscigenarem com as bolhas de sabão. E dançou as músicas que tocavam lá dentro. No embalo da lua cheia. Comia os chocolates de olhos fechados. Ela estava feliz.
Naquela noite ela sonhou com uma visita de Bowie.

Capítulo 5: fevereiro, 2000

Ludmila tinha 29, em maio faria 30. Como já foi dito em capítulos anteriores, era uma mãe um tanto impaciente, ocupada, estressada, o que não impedia Ana de amá-la. 19 de fevereiro de 2000. Era uma linda manhã, Com pássaros cantarolando sobre as árvores e tudo mais. Era dia de folga para Ludmila, as aulas de Ana ainda não haviam começado, e Sebastião estava para o trabalho. Apenas mãe e filha em casa.
   -Vou na padaria, filha. Vai querer alguma coisa?
Ana estranhava quando a mãe não estava estressada. Mas preferia não ficar pensando a respeito e apenas aproveitar esses raros momentos.
   -Batata! -disse feliz, a pequena infectada.
   -Do moço de bigodes?
   -SIM! -respondeu ela, mais feliz ainda.
   -Então tudo bem. Não abra a porta para nenhum desconhecido, não demoro.
Ludmila pegava o dinheiro quando a filha lhe surpreendeu:
   -Mamãe! Me dê um abraço?
   -Oh. Claro, meu amor. -respondeu Ludmila abrindo os braços para a filha.
Aquele abraço. Ana sentiu como se nunca tivesse recebido um abraço da mãe como aquele. E estava certa. Durou quase um minuto. Minuto que, falado, parece tão pouco, mas executado dentro de um abraço parece tão muito. Era um momento inédito por três motivos: A mãe estava carinhosa e não estressada, como de costume. A mãe abraçava a filha de um jeito único que nunca havia feito antes. A mãe nunca -nunca, vale ressaltar- houvera feito uma viagem ao mundo paralelo do espaço inexplorado do universo com a filha, e naquele momento ela fez.
Terminado aquele minuto, a mãe da um beijo na testa da filha e pergunta se ela deseja ir dar um passeio no pedalinho da praça de perto do trabalho do pai depois que voltasse da padaria. Ana explodindo de felicidade aceitou o convite sem medir esforços. E a mãe sai.
Ana se senta no sofá da sala, liga a tv, muda para o canal que passava seu desenho favorito e espera.
Espera.
Espera...
   -Será que não tinha batata na padaria e mamãe teve de ir no mercado mais longe? Ela disse que não ia demorar! -conversava consigo mesma.
E continuou a esperar.
Esperar...
   -Mas já faz mais de uma hora!
E alguém toca a campainha.
   -Ah, até que enfim!... não, não é ela. Mamãe não tocaria a campainha. Quem será?
A menina olha pela janela. A casa tinha grades no lugar de muros. Então ela vê a dona Antonieta da padaria e pensa "ela não é desconhecida, posso abrir, então." E vai até o portão, sorridente, confusa.
   -Olá, dona Antonieta!
   -Olá, querida. Seu pai está? - disse a senhora com a voz trêmula
   -Não, não. Ele está no trabalho. Estou só com minha mãe, a gente vai passear no pedalinho hoje, ela lhe contou? Aliás, ela não estava com a senhora na padaria? Aonde ela está?
Dona Antonieta não consegue se contêr e se deixa lagrimar.
   -Meu amorzinho, você precisa ser forte.
   -Forte porque?
Àquela altura, Ana não entendia mais nada. Estava confusa, só queria saber aonde estava a mãe.
   -A mamãe não vai poder ir com você ao pedalinho, meu bem.
Tinha 10 anos, mas já era capaz de compreender o que se passava. Começou a ser tomada por um sentimento horrível de angústia e de uma coisa que não tinha nome. Uma coisa parecida com um choque na ponta do dedo. Um choque forte.
Sem saber o que fazer, ela correu para a padaria. "Aonde ela está? Aonde ela está? Minha mãe, aonde está? Aonde..." atordoada ela se intromete multidão a dentro, no meio da rua. Aqueles curiosos todos evaporaram, junto de todo o resto do mundo, quando ela viu a mãe ali, tão inconfortável, deitada naquela piscina de sangue, uma sacola jogada próxima de sua mão esquerda com a batata do moço de bigodes dentro.
O dia continuava lindo. Mas o azul se tornara vermelho. Os pássaros já não cantavam mais. Ana fechava os olhos desejando com todas as suas forças que aquela imagem se apagasse de sua mente.
O pai chega. Ela corre para seus braços e se encolhe naquele abraço que para ela deveria ser infinito.
Naquela noite ela sonhou com um passeio no pedalinho. Ela, sua mãe e seu irmãozinho que não nasceu.



quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Capítulo 4: fevereiro, 2008

Suave brisa de terça à tarde. Aquele banco estava vazio, lhe convidando para se aconchegar ali. Ana frequentava aquela praça desde quando era bebê, com os pais. E sempre sentava naquele banco, de frente para o mar, de frente para o mundo paralelo do espaço inexplorado do universo. A melhor parte de cidade, para ela. Voltava do trabalho, estava comprando um capuccino no Café do seu Pedro quando repentinamente lembrou daquele banco e de quanto tempo não fazia uma viagem ao mundo paralelo do espaço inexplorado do universo. Havia sido uma manhã chuvosa e a tarde estava nublada, fria. Era o tempo ideal para passar alguns momentos lá naquele canto tão dela. Depois de sentar e fixar o olhar no horizonte instável, começou a por seus pensamentos em dia. Como era difícil crescer! Naquele ano ela já faria 18, estava trabalhando e em poucos dias começava a faculdade. Começou a tentar imaginar o futuro. Como seria dali em diante? Ela temia virar uma deles -os adultos. Quão séria e sem graça parecia ser aquele vida... gente grande, coração pequeno, alma pequena. Deveria ser diferente. Mas porque é que ela não podia ser diferente? Aqueles tormentos em forma de pensamento lhe afogavam naquele mar sem nem mesmo estar dentro dele. E ela começava a imaginar, como se estivesse boiando à deriva, apenas com os olhos e nariz acima da água, observando a vida de longe, imperceptível aos olhos nus dos adultos.
Mergulhada nas suposições e dúvidas que lhe preocupavam tanto, seus pensamentos são interrompidos por um vendedor de "fazedor de bolhas", como ela chamava quando era criança.
   -Boa tarde, minha jovem!
   -Ãh... boa tarde.
Ele passara por ela como qualquer vendedor de "fazedor de bolhas" passa por uma pessoa adulta, sem oferecer seu produto.
   -Espere! Moço!
   -Sim?
   -Me veja um fazedor de bolhas desses, por favor.
   -Mas é claro. Qual cor o pequenino gosta mais?
   -Azul! Ahg... desculpe, pequenino...?
   -Sim, não compras para alguma criança? Um irmãozinho, um sobrinho, um filho?
   -Ah -risos-. Não, não, é para mim mesmo.
   -Ah... me perdoe. É que meus clientes costumam ter menos de 10 anos de idade. Bom, está aqui... azul, certo?
   -Certo...
Por alguns instantes, Ana se questionou mentalmente a respeito do que o vendedor acabara de indagar. "Mas será que eu pareço mesmo uma criança? Há algum problema nisso? Há muitos problemas nisso? É ruim? Será que é por isso que ninguém se aproxima de mim? Vou mesmo ser obrigada a crescer? Será que devo dizer 'ah mudei de ideia' e recusar o fazedor de bolhas?" E ele, com o braço estendido esperando que ela pegasse o produto, observava a apreensão da garota.
   -Está tudo bem? -Perguntou o vendedor.
   -Hum... acho melhor eu não ficar com isto. -disse Ana devolvendo o braço do vendedor.
   -E porque não?
   -É coisa de criança. Devo começar a treinar esse negócio de crescer, deixar meus hábitos para trás...
E logo o vendedor percebeu do que se tratava.
   -Ora. Mas não é um fazedor de bolhas que vai lhe impedir de crescer, moça. Crescer não é deixar seus hábitos para trás, e sim apenas acrescentar os que têm de vir, lidar com os fatos, com responsabilidades e saber arcar com as consequências da vida. Não há muito a ver com parar de fazer o que sempre se fez. Veja bem, eu já estou à beira de meus 60 anos, já tive que lidar com perdas, tropeços, traições, decepções... e se tiver de vivenciar tudo isso novamente eu vivenciarei e até hoje passo o dia soltando bolhas por aí, jogo vídeo game com meus netos, cantarolo pelas ruas, corro atrás de borboletas, observo desenhos nas nuvens, como sempre fiz, antes de crescer. E nada disso me impediu de aprender com as coisas da vida.
Parecia que Ana só precisava ouvir aquelas palavras para descongestionar sua mente infectada.
   -Tome. -estendeu novamente a mão com o fazedor de bolhas- este sai por conta da casa. Mas tens de me prometer que vais soltar quantas bolhas foram possíveis até o fim de sua vida. Certo?
   -Certo! -respondeu a menina feliz da vida como quem acaba de ter o coração confortado por um velho desconhecido.
E, sentada em seu banco, soltou bolhas de sabão até anoitecer. Quando voltara para casa, no caminho vinha pensando e lembrando de sua mãe. Era 19 de fevereiro, e faziam 8 anos que ela houvera partido.

Naquela noite ela sonhou com um amor...

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013















Esse rostinho sem pintura nenhuma pouco vale alguma coisa.
Com pintura, menos ainda.
Começo a achar que ali dentro também não há valor algum.
De válido mesmo só o oxigênio que ela respira.














 
"Tem a certeza que alguém vai lhe abandonar
Diz que está muito infeliz, mas não pára de rir
O dia já está em agonia e à noite tudo vai ficar pra trás
Pra trás."
Urbana-Ludov

domingo, 10 de fevereiro de 2013







Eu realmente achei que fossemos extremamente parecidos, mas agora vejo que me enganei. Ou eu também sou mesmo tão estúpida assim?